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Entre a paixão e a renúncia: sobre coragem, desistência e sabedoria de viver

  • Foto do escritor: Jéssica Domingues
    Jéssica Domingues
  • há 6 horas
  • 3 min de leitura
“Nada em mim foi covarde. Nem mesmo as desistências. Desistir, ainda que não pareça, foi meu grande gesto de coragem.” Caio Fernando Abreu
“Pode-se intervir de maneira transformadora no mundo exterior, nele produzindo intencionalmente as condições que possibilitam a satisfação. Essa atividade se torna, então, a suprema realização do Eu; decidir quando é mais adequado controlar suas paixões e curvar-se ante a realidade, ou tomar o partido delas e opor-se ao mundo exterior, constitui a essência da sabedoria de viver.” Freud, "A questão da análise leiga", capítulo III

Esses dias postei essas duas citações nos stories do Instagram, e são citações que pessoalmente gosto bastante. Por isso, decidi trabalhá-las um pouco aqui no blog.


No capítulo III do artigo A questão da análise leiga — texto muito importante, inclusive para falarmos sobre o lugar da psicanálise dentre os saberes (clique aqui para ler o texto do Universo Psi)— Freud conversa com seu interlocutor imaginário sobre a origem da neurose.


A ideia que ele traz sobre a mediação que o Ego faz entre as paixões e a realidade exterior me parece quase aristotélica: um equilíbrio das paixões. Entre o que desejamos e o que nos é imposto, talvez a saída mais sábia seja escolher o possível. Agora, talvez a grande sabedoria seja conseguir distinguir isso, não?


Qual é o ponto ótimo entre o investimento e a renúncia? Quando conseguimos ter consciência de que estamos optando por algo ou desistindo desse algo com coragem, como nos disse Caio Fernando Abreu?


A angústia como bússola e o perigo do desamparo


Freud, nas páginas seguintes, fala da importância da angústia como algo que nos sinaliza quando há um perigo, impedindo-nos de reproduzir situações traumáticas. Ela, a angústia, nos faz sair dessas situações — ao menos temporariamente — para que possamos recrutar forças para lidar com esta realidade.


Ao mesmo tempo, existem aquelas angústias que são despertadas prematuramente e nos impedem de desenvolver o enfrentamento, deixando-nos em uma posição passiva e refugiada frente à vida.


A vida carrega em si um potencial traumático importante — disso não temos como fugir. Em Inibição, Sintoma e Angústia, Freud descreve como pessoas excessivamente protegidas da vida tornam-se mimadas, conservando-se em um estado de desamparo.


O desamparo não desaparece por completo, mas aprender a negociar com ele é algo que pretendemos conseguir com o processo analítico. Estar desprotegido frente à realidade — interna ou externa — associa-se à destruição, auto ou hetero-exercida.


Proteger-se também é parte da nossa constituição, o que é diferente de defender-se desordenadamente: uma defesa impulsionada por questões inconscientes que, paradoxalmente, pode expor o sujeito a essas realidades destrutivas.


Quando falo em proteção, refiro-me a essa sabedoria de que Freud nos fala: proteger-se parece ser também conseguir escolher quais batalhas valem a pena — seja com as nossas fantasias, seja com o que o mundo externo nos impõe.


O que não significa acovardarmo-nos frente à vida, mas justamente enfrentá-la com coragem para favorecer aquilo que em nós insiste em ser vivo.


Entre a paixão e a renúncia: viver com mais presença


A análise não nos promete blindagem contra as dores da vida, mas nos oferece a possibilidade de viver com mais presença e responsabilidade frente a elas. Entre o desejo e a realidade, entre a paixão e a renúncia, talvez a verdadeira coragem seja justamente essa: a de nos reconhecermos vivos, mesmo no que nos falta.


Referências:

  • Freud, S. (1926). Inibição, Sintoma e Angústia.

  • Freud, S. (1926). A questão da análise leiga.



Pintura a óleo inspirada em Van Gogh mostrando um campo dourado sob um céu azul intenso com redemoinhos de nuvens claras e uma espiral dourada dramática, sugerindo uma batalha de forças. Uma estrada sinuosa atravessa o campo em direção ao horizonte. No canto superior esquerdo, o título está escrito: 'Entre a paixão e a renúncia: sobre coragem, desistência e sabedoria de viver'.

 


Se esse texto te deixou pensando, e quiser conversar sobre um possível início, você pode agendar uma sessão ou me escrever.

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